Contexto Histórico

Durante a segunda metade do século XX, houve um amplo movimento de expansão e desenvolvimento dos modelos jurídico assistenciais, especialmente nas principais democracias industrializadas do ocidente, que introduziram reformas constitucionais e adotaram o welfare state após a Segunda Guerra Mundial. Continente após continente, nação após nação, a década de 1979 testemunhou avanços teóricos e práticos enternecedores no âmbito da assistência jurídica aos carentes e necessitados. E nessa época surgiu a crescente conscientização de que a classe média e as formas não tradicionais de litígio também acabavam sendo frequentemente barradas pelo sistema jurídico.

Em 1975, Mauro Cappelletti, James Gordley e Earl Johnson Jr. publicaram uma notável pesquisa, destinada a documentar e explicar o que claramente vinha se tornando um fenômeno internacional e generalizado: um acelerado movimento para tornar o sistema de justiça acessível a todos, independentemente da condição de fortuna. A histórica parceria entre os três autores resultou na publicação do livro “Toward Equal Justice: A Comparative Study of Legal Aid in Modern Societies” (1975), considerado um marco epistemológico no estudo comparativo dos modelos jurídico assistenciais.

Mauro Cappelletti (1927–2004) | Fonte: European University Institute

Diante do vertiginoso desenvolvimento dos sistemas de assistência jurídica no mundo e do interesse despertado na temática do acesso à justiça, o professor Mauro Cappelletti desencadeou, juntamente com os professores Bryant Garth e Earl Johnson Jr., a maior e mais significativa pesquisa mundial sobre o acesso à justiça já realizada. O Projeto Florença (Florence Access-to-Justice Project) reuniu uma grande equipe multidisciplinar de advogados, sociólogos, antropólogos, economistas e formuladores de políticas, originários de quase trinta países diferentes. O resultado final dessa pesquisa comparativa foi condensado em um tratado de cinco volumes intitulado “Access to Justice” (1978-81).

Bryant Garth (direita) e Kim Economides (esquerda) | Florença, 1977

Quarenta anos se passaram desde a publicação do resultado final do Projeto Florença, e muitos avanços (mas também alguns retrocessos) foram feitos no campo do acesso à justiça. No entanto, esse amplo processo de desenvolvimento ainda não foi devidamente estudado e compreendido, dificultando a busca por soluções promissoras que possam estimular discussões e contribuir para futuras reformas.

Curiosamente, o mundo hoje parece atravessar novamente por outro ciclo de expansão e contração dos modelos de assistência jurídica. O movimento atual, entretanto, não provém apenas de países com elevado nível de desenvolvimento econômico, sendo identificadas experiências e perspectivas inovadoras em muitas nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, criando novas ondas – e até mesmo contra-ondas – no movimento mundial de acesso à justiça. As filosofias, modelos e técnicas que evoluem em vários países são hoje extremamente diversificados e, por vezes, contraditórios; todavia, temas comuns estão começando a emergir e novas tendências podem ser discernidas no horizonte.

O Global Access to Justice Project procura identificar, mapear e analisar essas tendências emergentes, realizando uma nova pesquisa global. Nossa pesquisa se revela oportuna e eclética, adotando uma abordagem teórica e geográfica abrangente no mapeamento e estudo do diversificado movimento mundial de acesso à justiça na África, Ásia, Oriente Médio, América Latina, América do Norte, Europa e Oceania.

Earl Johnson Jr. | Memórias do Projeto Florença (Florence Access-to-Justice Project)

Bryant Garth | Memorias do Projeto Florença (Florence Access-to-Justice Project)